Tuesday, June 26, 2012

ANA RÜSCHE













(créditos de thiago vidal. em harar, etiópia, cidade ensolarada e ruidosa em que rimbaud morou por alguns anos. parece que traficou armas. de minha parte, só comi amendoins.)



Mencionada por:
Renan Nuernberger

Menciona a:
Dirceu Villa
Lilian Aquino
Maiara Gouveia
Paulo Ferraz
Roberta Ferraz




Poemas




Anoréxicas


Emagrecer,
extirpar a última gordura,
devolver as costelas emprestadas
e desintegrar-se em luz.





In Rasgada. São Paulo, Ed. Quinze e Trinta, 2005.






A Ceramista

                                        Trago comigo coisas abandonadas.
                                        Coisas que os homens jogaram fora:
                                        placentas, gânglios, guirlandas, guelras.
                                                   Marize Castro, "Muralha"

              a partir de Concha e Aurora,
              criações de Ângela Barros e Alberto Guzik


agora já são cinco privês
antes era um prédio respeitável

escavo escadas ante a mudez
do elevador, guilhotina pichada

no pó suspenso no ar
catedrais de coisas abandonadas

e lá dentro chafurdo com minhas duas
mãos nas peças de cerâmica

e como parteira tiro do barro
um caco, um vaso, um sonho, um sopro




In Sarabanda. São Paulo, Selo Demônio Negro, 2007.




O Grande Plugue


À nossa geração nunca nos foi permitido ver o mar pela primeira vez.
Ele sempre esteve adentro, reluzente, o grande igual que nós mesmos

Rogamos tanto às noites que se faça novamente o escuro
mas quando as preces são atendidas
é só uma ilusão dos trouxas, uma ardentia nos olhos e
o mar esbraveja aqui dentro, monstro comedor de rocha
 
Já nascemos umas baleias mórbidas
pobres diabas afogadas neste papel de luz
E é tão mesquinho de pequeno o desejo

A gente só queria ver o maldito mar
por favor,
pela primeira vez.




In Nós que Adoramos um Documentário. São Paulo, Ed. Ourivesaria da Palavra, 2010.

 




bio/bibliografia

são paulo, 14 de setembro de 1979. virginiana, com ascendência em virgem, milhares de planetas em virgem, uma lua fazendo charme em câncer e os pensamentos constelados por aí. publicou alguns livros, estudou lá umas outras coisas, não domina muitos idiomas e adora seu cachorro, canek. atende no www.anarusche.com.




poética

escrever é um ato necessário de perda
: ou você perde,
: ou você se perde.
o resto são vitórias para colecionadores de palavras.







Sunday, April 01, 2012

RENAN NUERNBERGER



















Mencionado por:
Érica Zíngano

Menciona a:
Ana Rüsche
Duda Machado
Fabio Weintraub
Laura Liuzzi
Mônica Rodrigues da Costa
Paulo Ferraz






POEMAS



AS COISAS CLARAS


O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
(João Cabral de Melo Neto)


Suponha um copo d’água
e uma sala repleta de luz.
Sobre o tampo d’uma mesa
o copo translúcido atua
suando tranquilo
sua mancha na madeira teca
opaca. Os bichos ciscando
lá fora. Janelas enormes
que ocupam quase
toda a extensão das
paredes da sala. O sol
emanando seus raios
ao pulmão de vidro
em que estou contido.
Escrevo à prova de balas.

*

O mar Egeu não se ergue
(nunca depois navegado)
sob o abismo desta manhã.
Escrevo. Mastigo alguns
nacos de fruta
(suponha ser manga ou caju).
Poema: os bichos ciscando.
A engenharia é o mal
necessário a quem
pensa o poema e se
esgota ao pensar(-se),
máquina d’emocionar.
O copo d’água, as frutas,
a madeira teca, o iMac, o .doc:
todas as coisas bem claras.





SEM TÍTULO (II)

janeiro é um mês vermelhíssimo
tônico, auroral
(tempo de amor e miragem)
embora não seja
o início (o início
mesmo é em março: o mal
que, no norte,
resulta no enterro dos mortos)
ciclicamente é um
istmo
de coalizão solar

*

queria viver em pleno janeiro
suado, quente
(o coração sem cardeais)
sempre pronto para
a próxima (a próxima
talvez seja a última: ela passa
e onde estou?
na capital do século vinte-e-um?)
incisivamente explosiva
visão
de suas pernas pro ar






SOL, SLOGAN

Que symbolo fecundo
Vem na aurora anciosa?
(Fernando Pessoa)


gostaria de comprar
uma Coca para
o mundo. primeiro
estranha-se mas é
isso aí, uma
Coca-cola como
phármakos: uma pausa
que refresca a mera
metade de nada que
chamamos vida.

over-doce, urso polar,
santa claus, cherry
coke. depois
entranha-se mais e
essa é a real,
Coca-cola como
phármakos: viva o que
é bom, poeta só
porrada, o sol doura
sem literatura.






BIO/BIBLIOGRAFIA

Renan Nuernberger nasceu em São Paulo, SP, em 1986. Poeta. Mestrando em Teoria Literária na Universidade de São Paulo com dissertação sobre a poesia brasileira dos anos 1970. Publicou Mesmo poemas (Selo Sebastião Grifo, 2010) com apoio do ProAC e organizou a antologia Armando Freitas Filho por Renan Nuernberger (EdUERJ, 2011) para a coleção Ciranda da Poesia.




 
POÉTICA

“Um poema é difícil. Adão, Sísifo, Orfeu” (D. Pignatari)

Difícil definir uma poética no momento. Em trânsito – quer dizer, no meio do caminho – não sei exatamente para onde. Um verso brota às 11:38h da manhã, quase na hora do almoço. Anoto e depois descubro que o verso já existia e que eu o havia lido meses antes naquele outro livro. Ou sonho um poema – de arquitetura ideal – que se desmancha enquanto me espreguiço. Ligo a tv, google. Tudo parece aquém, tudo parece além das exigências comezinhas e/ou das pretensões etéreas. Escrever é falta – uma falta planificada para quem se aventura no escuro, quase um esquadro com que risco o ar. Um poema é arisco.















Sunday, March 25, 2012

ÉRICA ZÍNGANO














Mencionada por:
Roberta Ferraz
Ricardo Pinto de Souza

Menciona:
Júlia de Carvalho Hansen
Renan Nuernberger
Francine Jallageas
Andréa Catrópa
Danilo Bueno



POEMAS


da série “minha coleção de poemas” (2010)







versão do poema “un coup de dés” em código morse (2011)


(Clique na imagem para aumentar)







da plaquete kamikaze coming soon (2011-2012),
“kamikaze just in case”







três tigres timbrados
pedigree comprovado
perderam suas listras



e deixaram de ser tigres
e deixaram de ter timbre
e deixaram de ser tristes



cansados do neobobo
abandonaram o ouro
e foram dançar o coco










adendo:



um sr. de bigode de rosto redondo
engraçado
e voz esgalhada
estava fazendo uma enquete sobre poesia
berimbau e jequitibá
me perguntou em castelhano castiço
apenas para constar na lista
da sua pesquisa
que reúne estudos de caso de casos
peculiares
se algum poema que escorreu
pelas minhas tintas
(diga-se de passagem, made in china) tinha
em seu rol de palavras crescidas
por acidente ou acaso
ambas se equivalem
em muitas situações
a palavra tigre
como eu gosto de precisar os detalhes
perguntei pormenores
asiáticos ou seriam por ventura
sul-americanos?
ele titubeou e falou em filiação
mãe, pai, irmão... essas coisas
primeiro eu disse que não
depois eu me lembrei da fábula
dos três tigres e disse que sim
mas expliquei que eram três tigres
diferentes dos tigres habituais
porque eles tinham perdido as listras
eu perguntei se ainda assim valia
a título de curiosidade
ele fez uma nota explicativa e
deu por encerrada a entrevista
continuamos falando de quitutes








BIO/BIBLIOGRAFIA


A biografia seria sempre maior do que cabe aqui.
E ainda não inventaram uma máquina para calcular
a medida da vida em metros.


Érica Zíngano nasceu em Fortaleza-CE, em 1980. Faz doutorado em Literatura na Universidade Nova de Lisboa, onde estuda a Obra de Maria Gabriela Llansol. Publicou poemas em revistas e o livro fio, fenda, falésia (2010), com Renata Huber e Roberta Ferraz, através do prêmio ProAc (2009), da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Um dos poemas que separou para cá integra a plaquete Kamikaze Coming Soon, em preparação com a artista portuguesa Alexandra Ramires [http://otrabalhodaxa.blogspot.com/]. Também faz trabalhos em artes visuais, que podem ser vistos no mil e uma notas (genéricas): [http://mileumanotas.wordpress.com/].



POÉTICA