Thursday, October 16, 2008

JUSSARA SALAZAR











Mencionada por:
Adolfo Montejo Navas
Eduardo Jorge

Menciona:

Cida Pedrosa
Diana Araujo Pereira
Guilherme Mansur
Moacir Amâncio
Lucas Carrasco
Marco Polo Guimarães
Aroldo Pereira
Luis Turiba
Fabio Andrade







POEMAS


O Livro das Tempestades
Fólios sonoros rasgados
ao vento girando os dias
assombrando a terra
(pianoforte) — árvore das mil estrelas qual livro aberto
e tudo e todas as páginas
ao vento também
dos poemas despedaçados
esfera marítima rumorejante
esfomeada
ondulando as roupas coloridas
de um varal aéreo
rodopiantes silfos
sufis, encantos ou Mary Poppins
om su umbrella bianca
— serei as duas almas de Hurricane
subterrâneo vício de Ulisses
no velo do abraço a tarde fria
espumando a boca
do cão com asas
do cão sem asas
guiando meu cego corpo
mar do olho pedregoso atirado à fuligem
sopro preso no sopro
na voragem
e de novo o corpo
em grifos
açoites
entrecortando cidades girando
aqui
meu pequeno vendaval
sobre
o tapete chinês




Água celesteou jogos da amarelinha

antes tarde
que nunca
entulho
antes música
e estilhaço
no ardor
aquático
deste ácido entre
a orla
sempre um cáustico
iça
funde o corpo
um tímpano
ao pólen
quem beira o lago
e o astro
rapta
o concêntrico eco
e antes refaz-se
do que nunca
hálito
enquanto ara
um palavreado
e apalpa
a teia
o átimo
ante
o acústico
caleidoscópio





Peixe Austral

humo y uma
filosofia de dedos acaricia o tigre
silhueta
onde o desenho
sobre a porta
aquece a lâmpada
um círio
entre imagens
uns pequenos encantos
na geometria cálida
desmedida fronteira de um verão
olhos cerrados
quase um espasmo
uma flutuação tênue e cadenciosa
enquanto mergulha
e o verde
são pequeninos pontos
ao longe um pedaço
da desgarrada hora
inútil
minuciosa
e a memória da chuva
às vezes feminina
maná que se oculta
para logo em seguida
emergir superfície
em cifras no anfíbio tear
redondilha
augúrio lampadário
spray
ou cenas do teatro nô
escutam se a si
miram mesmo seus sonhos
quase um mapa
nas delicadezas
e uma ave desavisada arrisca um pouso
perfuma de continuidade
o beiral ovalado
e as lises escamas nos azuis
de uma fotografia impensável
sílabas
na fábula
escrita antes luminosidade
ou fosse a casca
áspera
de um peixe.





BIO/BIBLIOGRAFIA



Jussara Salazar é poeta. Nasceu no agreste de Pernambuco. Publicou os livros: Inscritos da casa de Alice (1999) Baobá, poemas de Leticia Volpi, (2002), Natália (2004) e Coraurissonoros (Buenos Aires, 2008). Tem sua poesia publicada em várias revistas: Tsé-Tsé (Argentina), Chain (EUA), Rattapallax (EUA), Suplemento literário de Minas (Brasil), Galerna (EUA/Espanha), Mandorla (México) Babel (Brasil), Sibila (Brasil), Revista Continente, Caderno Mais! (Folha de São Paulo), Poesia Sempre (Biblioteca Nacional), Mar com Soroche (Chile), entre outros. Faz parte das antologias Na virada do século (2002), Passagens- Poesia Contemporânea no Paraná (2002), Invenção Recife (2004) Poetry Wales, (2004, País de Gales), Relicário Latino, Antologia de poesia latina, (2004), Revista Continente, (Imprensa oficial de Pernambuco), Literatura Brasileira Hoje, (Publifolha 2004), Antologia Comentada da Poesia Brasileira do Século XXI (2006) e Geometry of Hope (2008, New York) entre outros. Atualmente edita a revista eletrônica de arte e literatura Lagioconda7:
http://www.lagioconda.art.br/ e a coleção Livros da Casa 7, Poesia das Américas.







POÉTICA



Na cidade mineira de Montes Claros conheci jovem morador de rua, catador de papel, que acha livros no lixo e os lê como preciosidades. Escreve poesias e me contou: “procurei e acabei encontrando o que eu acho que é o significado da poesia – poesia é o belo...” –, definiu.
Eu perguntei se ele andou lendo Kant e disse que sim, lá a maneira dele.
Então poesia passa a ser o belo, o belo do menino de Montes Claros. Nunca antes alguém havia me convencido de algo tão simples.

Tuesday, September 30, 2008

SUZANA VARGAS







Mencionada por:Nora Fortunato
Menciona:Armando Freitas Filho
Leonardo Fróes
Astrid Cabral
Eunice Arruda






POEMAS




Quase decálogo sobre o amor

O amor é vermelho e tem medo de perder
e se preocupa com cartas não respondidas
com o silêncio do telefone
e a falta da palavra meuamor

O amor é feito de ausências e dependências
de encontros desmarcados e acertos
de memória e corpo

Se está longe
o amor deseja estar perto
Se está perto,
não sabe o que fazer com as mãos
nem com as palavras

Em geral,
o amor perde tempo na repetição de tudo:
do verbo
ao toque

E porque sabe que é feito de finais
o amor nunca começa
Ou se perde no momento em que inicia

O amor vicia

(do livro O amor é vermelho . Ed. Garamond/2005)








Ortopédica

Nada como não ter pés
para valorizar sapatos.

Já sei que não é novo:
o provérbio é mais ou menos chinês
e mais ou menos
meu


Descobri caminhando

(do livro Caderno de Outono. Ed Relume Dumará/1998)








Insônia

São universais:
relógios de parede
galos que cantam
o escuro do quarto

...e o anjo que nos fez caretas a noite toda

(do livro Sombras Chinesas . Massao Ohno /1990)





BIO/BIBLIOGRAFIA




Suzana Vargas é gaúcha e reside no Rio de Janeiro há 30 anos. Escreve poesia, livros infantis e alguns ensaios sobre leitura. Criou e coordena a Estação das Letras. Entre seus livros de poemas estão Caderno de outono e outros poemas (Ed. Relume Dumará) e O amor é vermelho (Ed. Garamond)





DEPOIMENTO



Ler e escrever poesia é a minha forma de estar no mundo de um modo natural. De aguentar a felicidade ou o que chamamos de ou seu contrário insuportável. É meu modo de ser livre e determina todas as outras ações, as mais objetivas, inclusive.

Wednesday, August 27, 2008

ISMAR TIRELLI NETO










Mencionado por:
Alice Sant'anna

Menciona:

Alice Sant'Anna
Felipe Moreira
Heleine Fernandes
Diego Grando
Lucas Cureau






POEMAS



RUFUS

você – como tantos outros – acabou
não morrendo. Nem aqui nem em Bruxelas
parte alguma. A questão do apartamento
permanece pendente (estar-se em
plena obra). Sem diploma não tem como.
Você passou sem cura de repouso você não contraiu
uma afecção misteriosa você não botou
os pulmões pra fora de tanto tossir
num banheiro de hotel cheio de flores. Você
segue com esse estranho hábito de não lembrar
em nada a Barbara Stanwyck, ah, que se há de fazer?
Eu me mudaria para uma fonte em Amsterdã
algemado aos clarões de água
entra dia, sai dia injuriando
assistentes sociais – mas pense bem
pense bem. Não dou corda no despertador
e é o próprio tempo que nega fogo.

Manhã – ungüento geral – espalha
pelo Rio um brilho rouco – na frente do Edifício
Argentina me parece capital saber o nome das coisas –
precisamos de um plano. Um projeto. Um projétil

estou cheio de prédios
voltas hélices passarelas
o metrô corre atrás do próprio rabo
um tranco, não tem quem fique em pé
você me diz: nunca dês um nome a um trem
sempre é outro trem a passar
eu digo: ha. Ha ha
ha ha

você está de dieta ou desistiu, afinal, de descortinar
uma grande verdade interior? Teus olhos têm um ar de perda,
pendem, como os seios de uma mãe antiga. Tanto tempo passado
em ônibus que a gente aprende à força o prazer do caminho
chegar lá é sempre um pouco
desorientante

precisamos de um plano. Um projeto. Um projétil

(de Synchronoscopio, 7Letras)




ANSIEDADES QUANTO A UMA ACADEMIA

I.

inscrevo-me no plano trimestral
atividades aquáticas:
duas sessões de hidroginástica
e uma de natação
por semana
durante (o que se obvia) três meses

II.

das turmas de natação
(me entregam o demonstrativo na secretaria)
escolho a Medo D´Água
todas as quartas pela manhã
com o professor Tomás
a quem já ouvi chamarem Tômas
o que me constrange
não sei como me dirigir a ele
professor?

III.

a turma Medo D´Água
todas as quartas pela manhã
consiste de mim e de Ada
gaúcha septuagenária
fóbica
cujo desempenho
cotejado com o meu
deixa muito a desejar
(pareço dominar
o conceito de horizontalidade
melhor que Ada)

IV.

Professor Tomás
ou Tômas
me faz pôr os pés de pato
embaixo d´água
pergunta quanto calço
respondo quarenta
na verdade trinta e nove
mas meus pés são gorduchos

V.

tenho medo de tirar os óculos
porque eles fazem um vácuo incômodo
em torno dos olhos
tenho medo de tirá-los
e os olhos juntos
caindo à beira da piscina
ou na própria piscina
assustando as criancinhas que aguardam
perto do chuveiro
e as senhoras da hidroginástica
(Ada desmaiando)
eu nunca mais seria qualquer outra
coisa que não o sujeito cujos olhos
saltaram das órbitas à beira da piscina
sugados pelo vácuo que os óculos fazem
em torno dos olhos
ao serem retirados
meus óculos fabricados na China

VI.

metido nessa sunga insensata
tamanho G
(sinto que decepcionei os funcionários
da loja de artigos esportivos
meu excesso de corpo não se nota assim
à primeira vista
há táticas como se sabe
tons escuros listas verticais)
os óculos que puxam meus olhos
e a touca que me comprime as idéias
pergunto ao professor se ela deve cobrir
também as orelhas
o que já me parece excessivo
Tomás (ou Tômas) recomenda que eu use
um tampão
isso também me parece excessivo

VII.

um lance de escadas aparta
o parque aquático
do vestiário masculino
tenho de ganhar
essa distância
subjugá-la
metido numa insensata sunga
tamanho G
às mãos a touca e óculos
pendendo úmidos
não tenho roupão
o vestiário masculino me apavora
é possível que no longo desse poema
eu não tenha intentado tratar
de outra coisa que não
meu pavor meu absoluto pavor
ao vestiário masculino
coisa que até agora não fiz

VIII.

talvez esse poema seja sobre a nudez
(modalidade do corpo
que não costumo praticar
com muita freqüência)
ou sobre todas as modalidades
do corpo que não costumo praticar
com muita freqüência
todo esse potencial do corpo
que não se realiza
de inopino as mãos do professor Tômas
ou Tomás
em cima de mim
embaixo de mim
e minha cabeça enfiada n´água
já que não estou tendo uma experiência erótica
não absolutamente não estou

IX.

o servente
no vestiário masculino
me olha
de alcatéia
não posso lhe pedir que pare
que pare imediatamente com isso
porque provavelmente não é o caso
estou imaginando coisas
estou sempre imaginando coisas
o servente no vestiário masculino
não me olha de alcatéia
não absolutamente não me olha
(por que um? por que outro?)
mas é com muita consciência
que opto por não tirar a sunga
ao me enxugar
(na rua a marca d´água
na bermuda)

X.

bom trabalho Ismael!

meu nome é Ismar

(de Synchronoscopio, 7Letras)




APARTAMENTO

o espaço é parado e pulsa, inscrição num mar de silêncio

peça à peça
desentreteço o aparta
mento; pé ante
pé – pensemos bastante
uns tantos temporais
depois nos é dado
o lugar-comum
duma ilha; pequenas intromissões
da cafeteira
gorgolejando
pouco muda (quase nada)
se o vizinho abre
uma janela ou deixa
de abrir

outras tantas, mal amanhece
baixa a maré
as mesmas portas vão abertas
espécie de missa no quarto ao lado

tijolos
argamassa de medo

(de Ramerrão, inédito)





BIO/BIBLIOGRAFIA



Ismar Tirelli Neto é carioca e nasceu no ano de 1985. Isso depois de Cristo. Acaba de lançar seu primeiro volume de poemas pela 7Letras, chamado “Synchronoscopio”. Blog:http://www.sonetosoitavaserie.blogspot.com/.




POÉTICA



Não sei ao certo, mas desconfio que algo próximo do Nashville
, do Altman.

Monday, August 18, 2008

NORA FORTUNATO









Mencionada por:

Daniela Storto

Menciona:

Maira Thorley
Suzana Vargas
Flora Furtado
Mércia Menezes







POEMAS


Garçonete

elas se conhecem
as moças
do café
elas me conhecem, ou
pelo menos
reparam
no correr do meu
estado
o que se apresenta

talvez leiam os puzzles
em mim

é curioso notar
isso
durante a tarde





RECEIA SABER a ponte
que a levará ao próximo galpão
a amplitude de sua voz

nem por isso se despede das frias lantejoulas de agora
(pendura-as nas sombras de dúvida)
aspira, aspira: aspira
em uma volta, escute:
datas, situações
era tudo assim?
e você se dá bem com isso?

com o sol enroscado na manhã
em golpes de luz
acorda seus pés
páre agora para retratá-la, a manhã
quando as janelas são só rotinas
quando os passos do mundo estão à sua
volta

depois de múltiplas manhãs
nem sabe pousar a pele sobre si mesmo
por isso, um espaço para si
estaria tudo à mesma
fugir da eletricidade do Tempo
de repente, como é de literatura, algo acontece
mas o quê?
não ouve na estante nada molhado
não vê areias estações ladrilhos
nada acontece
ela esticou a mente e se pôs a graduá-la:
fria
morna
ácida







a esta experiência
se somam dois lados



ela cheira suas roupas
pra saber se tem valor
eu as arrumo em cores



plastifico o dicionário
como nos tempos de escola
e insisto no amarelo
ela enche de sacos plásticos a geladeira



a céu aberto,
todos a observam
ele se mira no espelho
do elevador
frente às câmeras





BIO/BIBLIOGRAFIA




Nora Fortunato nasceu em Jundiaí, SP, em 1975. É violoncelista .Tem poemas publicados na revista Inimigo Rumor 18 e 19. Prepara seu primeiro livro de poemas. Mantém o blog www.norafortunato.blogspot.com.





POÉTICA



Preciso de poesia, de invenção, para refletir. Faço poesia para apalpar o subjetivo, para o que me escapa. Gosto de ver as possibilidades controversas e da possibilidaDESobservação do cérebro quando convulsiona. Nas palavras de Carlito Azevedo:
a idéia é por as duas mãos no centro nervoso do delírio.

Friday, August 08, 2008

LAU SIQUEIRA














Mencionado por:
Adelaide do Julinho
Ana Elisa Ribeiro

Menciona:
Sérgio de Castro Pinto
Antônio Mariano
André Ricardo Aguiar
Amador Ribeiro Neto
Daniel Sampaio




POEMAS


........................................condição perene
................................................nas cheias
................................o rio comanda o espetáculo
..................................e as margens são apenas
.............................degraus para o leito mais fundo
...................................................nas secas
...........................................o rio é a margem





deus


fingiu que estava
criando o mundo

trabalhou seis dias
oito horas em dois turnos
salário de cento e oitenta
pregos

ornamentou noites
criou nuvens
e ventos

do barro fez a criatura

num sopro
o inventário das paisagens

uma vez pronta a maquete
exonerou-se
e ficou mudo

hoje
dies dominicu
reaparece com trezentas
mil faces midiáticas

(dizem que vive em tudo)


(do livro Sem Meias Palavras)




..............................................................por
que.......................................................escrevo poemas
...............................................................curtos?

..................................................................(eu
.................................................................ando
...................................................................em
.................................................................busca
....................................................................do
................................................................silêncio)


(do livro O Guardador de Sorrisos)






BIO/BIBLIOGRAFIA



Lau Siqueira nasceu em Jaguarão/RS e reside atualmente em João Pessoa-PB. Publicou "O Comício das Veias", Ed. Idéia-PB, 1993; "O Guardador de Sorrisos", Trema Edições-PB, 1998; "Sem Meias Palavras", Editora Idéia-PB, 2002; "Texto Sentido", Edição do Autor, 2007. Participa de algumas coletâneas e antologias, como "Na virada do século – poesia de invenção no Brasil", Editora Landy-SP. Participa das coletâneas anuais do Livro da Tribo, Editora da Tribo-SP. Mantém o blog Poesia Sim,
http://www.poesia-sim-poesia.blogspot.com/ e sua poesia pode ser encontrada na internet, revistas e suplementos.





POÉTICA



Escrever poemas é não temer o ridículo, tenho dito. Escrever poemas é um ato de uma inutilidade imprescindível. É arriscar-se sempre no limite além do limite. Um mergulho cósmico no oco da procura. Escrever poemas é, sobretudo, transgredir-se permanentemente. É saber-se muito além do que buscamos, quando buscamos. É saber que a poesia é a beleza do vôo e não o pássaro. E que o poema é um processo de tradução de pegadas atemporais, ancoradas na linguagem. A poesia, nem tanto. Ou melhor: nem tonto. Sei lá!

Wednesday, July 23, 2008

DANILO BUENO









Menciona:
Claudia Roquette-Pinto
Horácio Costa
Josely Vianna BatistaJúlio Castañon Guimarães
Ronald Polito




POEMAS




irmão



mãos trêmulas

vontade de matar-se para esquecer

fuga de si

para outra vez ser genuíno

voltar do naufrágio hepático

limpo, intacto

menino afogado no fígado


(de Fotografias, 2001)





ocorrência n.º 3



seqüências sem escape
outros fogem
por tabuleiros,

desterrado da última
face,
ponto cego de relógios

construir o óbito
o corpo em si
desabitado

espelhos encarcerados
nos opostos

uma tábua viva
no espaço
(de crivo, 2004)




Nadia Comaneci



Tudo assiste crescer em seu mergulho: águas expandidas, estrelas imemoriais. Tesa de intensa delicadeza desenha a teia certeira, estrita esgrima com a brisa, sem arrimo ou amarras, perdura o arco dorsal enquanto desmorona o fôlego suspenso dos metais — vôo que anula o entorno e batiza o desgoverno: múltiplo rebento do movimento, um impulso para o centro de si até construir o desfecho: o solo brotando para a planta dos pés.


(de Corpo sucessivo, 2008)






BIO/BIBLIOGRAFIA



Danilo Bueno nasceu em Mauá, São Paulo em 1979. Reside na cidade de São Paulo desde 2006. Publicou a plaquete Fotografias (Alpharrabio Edições, 2001), o volume crivo (Alpharrabio Edições e Fundo de Cultura do Município de Mauá, 2004), menção honrosa no prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira – 2001, promovido pela Revista Cult e Corpo sucessivo (Oficina Raquel, 2008). Veiculou resenhas e ensaios por revistas e páginas eletrônicas do Brasil e do exterior. Formou-se na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e atualmente é mestrando em Letras no programa de Literatura Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP).





POÉTICA



Ao escrever dou forma a algo impossível de prever. Talvez um poema. Quase sempre nada. Toda possibilidade torna-se arremedo de uma força maior que concilia escrita e vida. Intuição, pensamento, atenção. E muito mais, claro. Dentre todos os mistérios fica o extremo prazer de escrever. E de errar
.

Friday, July 18, 2008

ELISA ANDRADE BUZZO








Mencionada por:
Andréa Catrópa
Ana Elisa Ribeiro

Menciona:

Reuben da Cunha
Flávia Rocha
Douglas Diegues
Vinícius Rodrigues Vieira





POEMAS




Planície argentina

chuveiro de partículas desintegrando-se na névoa
vacas voam na nevasca
o firmamento
- composição azul -
se desloca

(In: Panamericana, poetes americanes nascudes a partir de 1979, sèrie
Alfa, n. 30, 2006)





Renascimento

Criei-me santa
mas sou perversa,
galho de mil pontas.


(In: Se lá no sol, Rio de Janeiro, 7Letras, 2005)





Obsessão

como muito pão de mel
como como como
pacman cor-de-rosa
não vivo sem você
acordo à noite pra comer
minhas pílulas rosadas
enamoradas
até enjoar
não posso mais ver
não quero mais ver
agora é pão de queijo
meu amor é pra você
foi redirecionado


(In: Poesia do dia - poetas de hoje para leitores de agora, São Paulo, Ática, 2008)






BIO/BIBLIOGRAFIA



Elisa Andrade Buzzo nasceu na cidade de São Paulo em 1981. É jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Depois de seu primeiro livro de poesias, Se lá no sol (Rio de Janeiro, 7Letras, 2005), seus trabalhos apareceram em diversas antologias no Brasil e exterior como Cuatro poetas recientes del Brasil (Buenos Aires, Black&Vermelho, 2006), Caos portátil, poesía contemporánea del Brasil (Cidade do México, El Billar de Lucrecia, 2007), Antologia Vacamarela (São Paulo, 2007) e Poesia do dia - poetas de hoje para leitores de agora (São Paulo, Ática, 2008). Co-edita a revista de literatura e artes visuais Mininas.
Na internet, mantém o blog Calíope (
http://caliope.zip.net) e uma coluna no Digestivo Cultural (http://www.digestivocultural.com).





POÉTICA




“Tem sangue eterno a asa ritmada”

(Cecília Meireles)

Tuesday, July 15, 2008

DELMO MONTENEGRO










Mencionado por:

Reynaldo Damazio
Micheliny Verunschk
Menciona:
Frederico Barbosa
Claudio Daniel
Augusto de CamposRicardo Aleixo
Horácio Costa

Eduardo Jorge
Amador Ribeiro NetoMicheliny Verunschk
Virna Teixeira

Marcelo Sahea

Ana Rüsche
Antônio Vicente Pietroforte
Thiago Ponce de Moraes
Leonardo Gandolfi
Adriana Zapparoli





POEMAS



Beppo Now



desde Egdar Allan Poe
The Philosophy of Composition (1846)
— queremos explicações
——— demais — talvez porque
o poema
, não esteja entre nós
— a não ser como farsa ———
suturas, ataduras
, remendos
— medula, não
pré-
texto ————— nenhuma Glaukopis
Athena
a nos
vigiar ——
não — isto não
é a poesia —— nenhuma Glaukopis
a nos
vigiar

poesia,
— hamburger de miragem —




os super-heróis



$n "x (x Î n « j (x))


‘todos os cretenses são mentirosos’ —————— Epimênedes de Creta
(século IV a.C.)

nenhuma língua
nos


liga ———— ‘the Muse learns to write’,
a Musa

aprende


a escrever ———— para cada poeta,

uma escrita
—— para cada
poeta ———————————————— o poema

de
Gödel





De
“Épater le Noir”



..........................................................SATOR
..........................................................AREPO
..........................................................
TENET..........................................................OPERA..........................................................ROTAS



Ogum
semeador

Ogun alakaiye

Ogun agbeja fun ení ti o yá owo
Ogum aliado daquele que tem a mão rápida

que
disseca
a
palavra
(tendão-asfixia:
despele

nervo
gordura
)
[ perfuratriz
contra o
óbvio ] : arado-tripálio

carcicoma-
espátula


Ògún alada méjì
Ogum dos dois facões

um que
prepara a horta


outro que
abre os caminhos





BIO/BIBLIOGRAFIA




Delmo Montenegro (Recife-PE, 1974) é poeta, ensaísta e tradutor. Publicou os livros de poesia Os Jogadores de Cartas (2003) e Ciao Cadáver (2005). Organizou, em parceria com Pietro Wagner, a antologia Invenção Recife. É um dos editores (em conjunto com os escritores Fabiano Calixto, Marcelino Freire, Micheliny Verunschk e Raimundo Carrero) da revista literária Entretanto. Prepara atualmente dois novos livros de poemas: Épater le Noir e Velvet Apalache (ambos previstos para 2008). Contato:
rimbaudgraphis@uol.com.br





POÉTICA



(Trecho de entrevista concedida a Carlos Augusto Lima)


Elementos visuais, grafismos, ideogramas, símbolos, arcaísmos, trânsito verbal, sonoro. O que mais cabe nos seus poemas? O que eles não suportam?
Trabalho sempre no limite da linguagem, testando novas configurações expressivas, novos designs para o pensamento. O que busco é a tensão constante. É preciso aprender e depois jogar tudo fora. Jamais acomodar-se, reinventar-se constantemente. Cada livro que produzo é o resultado deste esforço. No primeiro (Os Jogadores de Cartas, de 2003) pensamos num livro-atlas, que armasse um diálogo entre a Ilíada de Homero e Um Lance de Dados de Mallarmé. Os versos explodiam pela página. No segundo (Ciao Cadáver, de 2005) pensamos num livro-esquife, que trabalhasse mixando as invenções vocabulares de e.e. cummings com a “angústia fraturada” dos poemas “da fase da loucura” de Hölderlin e dos poemas terminais de Paul Celan. Em vez de uma explosão tipográfica pela página, um corte sádico, um corte cirúrgico nas sombras da palavra. A palavra-cadáver, a palavra-verso, vísceras expostas. Não à toa muitos enxergaram nesse livro a imagem especular pós-moderna de um Augusto dos Anjos redivivo (da mesma forma que aconteceu com a jovem poeta Micheliny Verunschk, no seu Geografia Íntima do Deserto, que foi comparada a João Cabral de Melo Neto sob um viés feminista). Tudo o que a minha aventura com a linguagem não suporta – o medo do diverso, do risco, do novo. Não faço literatura para seres covardes, acomodados. Busco sim o leitor em expansão, o leitor-criador, o demiurgo, o agente faústico. Minha literatura não faz concessões a idiotia das massas. Eu quero o leitor inteligente.
Você se apropria de elementos das vanguardas, mas, de certa forma, você aproveita para ironizar a própria idéia de vanguarda. Como se você as consumisse, levando-as ao excesso. Parece devorar-se a si. É esse o jogo e o risco?
Reduzir minha literatura a sua filiação ou não aos movimentos de vanguarda é querer encapsulá-la num jogo colonialista superficial. As vanguardas, enquanto propostas ideológico-políticas, já se esgotaram há muito tempo. Só podemos retomá-las pelo viés crítico, pelo viés irônico, arrancando-lhe as máscaras. No limite extremo, há um sentido épico e religioso no Nazismo que o aproxima do conceito de Obra de Arte Total do Teatro de Bayreuth. E isto é terrível. Terrível, porque profundamente verdadeiro. Porém só quem vivenciou esta angústia pode fazer a crítica da cultura dos postulados dominantes da arte do século XX. As metáforas militares, as metáforas de poder, sempre permearam os instrumentos eurocêntricos de estudo e dissecação da língua – verbo, sintaxe, regência, etc, todas são expressões de origem militar – o próprio termo página, do latim pagus, carrega essa idéia de territorialidade, de espaço de posse, de espaço de luta. O local da página sempre visto como um local de combate. A própria idéia de uma literatura de infantaria, de avant-garde, nada mais é do que a radicalização explícita desses movimentos de autoridade. Minha literatura aposta na diversidade, no outro, na polissemia dos sentidos, no extravasamento das normas. Não há pontos de fuga ou uma teleologia de fundo místico onde escoro as minhas verdades. Todas as minhas verdades são transitórias. Não aposto numa ideologia da História. Diante de Heráclito, cai o edifício do poema cósmico de Parmênides.

Monday, July 14, 2008

DIEGO GERLACH









Foto: Martina Nobre

Menciona:

Nathalia Silva
Francisco dos Santos
Renato Mazzini
Greta Benitez
Marcello Sorrentino





POEMAS




Rixa líquida

nunca nem sequer nem
tinha prestado atenção no cinzeiro de baquelite
sempre no meio da mesa
quando a fumaça do cigarro começou com aquela putaria --
era como se diz inacreditável:
subindo não em círculos não em coluna:
a brasa tossia a fumaça em todas as direções
como uma daquelas velas de aniversário que somente um não-fumante
pode extinguir;
comentei com joana, puxando conversa
-- a essa altura é bem verdade que pouco conversávamos, eu e ela,
e alguma coisa me dizia que tudo tinha começado quando
resolvi arrebentar o celofane e assistir aquele dvd do popeye
que ela tinha comprado pro sobrinho --
mesmo que ela em geral cantarolasse algo ao invés de responder
mas nessa noite
[não me restava qualquer $$$ e os cigarros eram dela]
ela não levantou os olhos do que estava fazendo (que era destruir as cutículas com os olhos brilhando enquanto assistia o noticiário)
mas explicou que a fumaça era na verdade o espírito santo
me mandando saltar na frente de um ônibus
o quanto antes possível.
me magoava que ela não dissesse isso com todas as letras,
mas eu aparentemente tinha acabado com os cigarros.

===

Biografia líquida

Mensagem de texto pedindo minha biografia com menos 48 horas de antecedência;
Perguntei se estavam me pedindo isso por causa do período
passado em Londres e de meu envolvimento com __________ [famosa ventriloquista],
ou então se queriam detalhes sobre a temporada de quase 27 anos passada
no eixo tênue entre minha mórbida cidade natal e algum lugar quente onde carne de bode é iguaria;
A resposta que obtive foi de que deveria tentar relaxar, e que mandariam uma datilógrafa para que me sentisse mais oficial;
Perguntei sobre valores com certo sobressalto;
Disseram-me que as coisas não estavam começando no pé certo dessa forma;
Perguntei se podia escolher ao menos a fonte em que o negócio seria impresso;
Retrucaram 'Olhe pra si mesmo e me diga se confiaríamos isso a você';
Finalmente decidi por uma ligação
perguntando quem diabos eram, afinal.

===
Apelido líquido
Evitei e tentei tanto quanto pude
Mas um dia tive que confessar para ela
Que 'Anticlímax' não era apelido que me deixasse dormir.

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BIO/BIBLIOGRAFIA


Diego Gerlach, 27 anos, está em seu segundo nome. Nasceu em São Leopoldo, RS, e atualmente trabalha em seu primeiro romance.






POÉTICA

Quatro cordas ou menos
eu e mingus no inferno dos baixistas
ele por ter socado jimmy knepper na boca
eu por ser medíocre
os dois tomando cerveja morna
'vocês não vão entrar?', pergunta o bode

Wednesday, July 02, 2008

MARCELO ARIEL











Mencionado por:

Edson Cruz

Menciona:


Daniel Faria
Felipe Stefani
Flávio Viegas Amoreira
Ademir Demarchi
Beatriz Bajo





POEMAS



1.

PHOTOMATON PONGE


O olhar-sombra é o efeito-Velázquez Ela imita o eu :A máscara imaterial em volta do objeto-vivocomo um galho na ponta da auréola O Eu-Anêmônada Esperando o Virgílio das coisaspor ele a noite enrugada tira os óculospara a infinita transparência
da ausência como um Método Eidético,Esse olhar inaugura o agógico para o véu de Berkeley Canta o grão no vidro de água,A madeira no olhar do ouro,A aurora efervescente da pérola de lôdo,O 'Bateau-Ivre' no sangue chamandoa infância da névoa que escondiao incêndio no bosque filológico.

2.

PHOTOMATON CECIM :


Por que se reescrever..
E se agora em mim viesse o vão da voz..
No amazôniko..
Sim, no espelho que nos cega apesar do SoL do sonho brilhando fora da literatura , além do vôo sem asas da ave-Flaubert que já anunciavam as transfigurações que já anunciavam as transfigurações que depois ouviremos nos sinos de Andrei Rublev e Lars Von Triers
Como te sentes diante de tuas partes invisíveis ?
Depois de atravessar a água da obscuridade a flor do silêncio começa a ofuscar o ouro do tempo
Esse ladrão de auroras capaz de imantar um cristal escuro no permanente eclipse branco da memória
E o que somos além do intrumento da tua invisibilidade?
Um vôo para essas asas que afundam no rio das imagens
Como o menino vicente franz cecim na ilha das cigarras
se lembrado dos pássaros que também já foram nuvens...

Cantando o lendário salmo dos fios
Enquanto segura nossas mãos
Na alma ,
Por que só há uma para acordar tudo ?

Para ir a uma festa triste, que insiste em nos convidar para essa dança das falsas dualidades ?
Por que essa beleza assustadora e estonteante do invisível e sua embriaguez de sonho ?
Como a sensação de perseguir uma miragem onírica, a vida
Não se toca nela por dentro
Para isso usamos o fantasma do mundo da palavra
Esse que fala Corrompendo a névoa do silêncio onde afunda
a casca lendo a casca

3.

SEM-TÍTULO

A linguagem foi criada para fixar a vida, mas ela não consegue fazer isso, ela apenas cava a aura da vida, sua aura de acontecimento puro imune a eventos e outras simulações, embora cave fundo e incessantemente, a linguagem jamais encontra um centro ou essência da vida para fixá-la em seu corpo de signos e sons. Por isso não acredito na linguagem como um lugar que será um dia visitado pela vida ou seja pela essência do acontecimento, mas apenas como uma ponte utilizada pelos que se afastaram muito dela por dentro para tentar atravessá-lae vê-la ao mesmo tempo, enquanto outros se afastaram muito dela por fora, para tentar atravessá-la e controlá-la ao mesmo tempo.Ambos fracassam, seja lá o que fizermos sempre estaremos nos afastando da vida por dentro ou por fora e estamos todos em cima dessa ponte erguida aqui sobre o rio morto das coisas-mercadoria, de um lado os escravos-fantasmagorizados por seu próprio reflexo nas águas do rio morto das coisas mercadoria se encontram conosco, nós os enfeitiçados e domados pela mistificação da linguagem, os escravos presos na ponte, que para nós é um local de observação, nos movemos por dentro através da ponte, os fantasmagorizados passam por nós e nós ficamos ali até que o silêncio e a morte unem as duas margens do rio, cancelando a ponte e finalmente fixando a vida em algo.
...............................................................................


Sim,ela foi a democratização absoluta da graça...me lembro quando todas as cascas foram dissolvidas e a bem-aventurança ainda estava lá...a absolvição geral e irrestrita de toda a humanidade...o cancelamento do suicídio do espírito e etç...
Você ainda estava lá quando a terra parecia vazia e totalmente devastada...ainda estava lá para ver a rosa


(textos do livro inédito : TEATROFANTASMA)





BIO/BIBLIOGRAFIA



Nasci em 8 de julho de 1968, sou escritor,editor e andarilho.
Publiquei até o momento 2 livros: ME ENTERREM COM A MINHA AR 15 ( COLETIVO DULCINÉIA CATADORA) e
TRATADO DOS ANJOS AFOGADOS ( LETRASELVAGEM)

http://www.teatrofantasma.blogspot.com/
http://www.letraselvagem.com.br/
http://www.ouopensamentocontinuo.blogspot.com/






POÉTICA


A poética para mim é uma busca através da palavra de uma autenticidade dentro do mundo, é um passeio por um campo ontológico
onde podemos colher flores de silêncio.

Tuesday, July 01, 2008

WILSON NANINI










Mencionado por:
Micheliny Verunschk

Menciona:
Micheliny VerunschkLau Siqueira
Jussara Salazar
Ricardo Corona
José Aloise Bahia
Leonel Delalana Jr.





POEMAS (do livro inédito Quebrantos, Relances e Abismos Ao Relento)



BOI

I
Apenas a metafísica
de nossos mitos
explica-nos

– enquanto o boi ergue a cauda
e produz matéria

II
Solene,
com mãos transfiguradas,
afago na
(dele) face minha hoje
escassa identidade.

III
No meio-dia sem álibi...
Na meia-noite sem alento...
O boi (peso, pêlo e poesia
isenta) se indifere pois
intui que plenitude é
– rente ao prazer manufaturado –
deitar-se entre flores
na relva úmida
ao relento
e lamber apenas
as próprias narinas.



BESOUROS

Aladas quase
cegas semi-
(es)feras
negras

chovem se acumulam
à penumbra pública

(sem que as lâmpadas
dos postes que os
alumbram de-
batendo-se em câmera

len-
ta

esforçados virados saibam
o que pensam os transeuntes
que passam por
sobre
e os esmagam
indiferentes)



FAMÍLIA

Um sino de missa
inaugura o domingo

O girassol sorri
na sombra do muro

– sentinela das galinhas
que ciscam na horta

esperando a hora
da (alheia) fome





BIO/BIBLIOGRAFIA



Wilson Torres Nanini, policial militar de minas gerais por ofício, poeta por extravio, nasceu em Poços de Caldas/MG, em 25/01/1980. Casado, reside com a mulher Carolina em Botelhos. Cursou Letras na Unifeob, de São João da Boa Vista/SP, contudo, abandonou o curso antes de se formar. Seu primeiro livro de poemas, ainda não publicado, intitula-se Quebrantos, Relances e Abismos ao Relento.





POÉTICA



“Enquanto a vida me obriga a transitar por ela com humildade, a poesia é uma via alternativa, é um modo de empunhar empáfia para me vingar do mundo, reinventando-o. Contudo, não busco um mundo perfeito. Quero chegar apenas a meio-instante de uma realização plena. Cultivo uma ardente aspiração pela coisa que não se completa nunca, que se dá sob a forma de um quase, mas que ao mesmo tempo me repleta, enquanto transito de asas atadas no território de meus automuros. Quero algo além da indecisão de uma pedra que indaga se acaso uma flor entre flores é mais flor do que uma flor entre pedras.”

Friday, June 27, 2008

EDSON CRUZ












Mencionado por:
Micheliny Verunschk
Menciona:

Augusto de Campos
Antonio Mariano
Wilmar Silva
Vicente Franz Cecim
Ricardo Silvestrin
Márcio-André
Claudio Willer
Floriano Martins
Marcelo Ariel
Flavio Viegas Amoreira
Marcelo Tápia
Jorge Tufic



POEMAS




agnosia

as palavras
não sabem nem
saberão o quanto
já sabemos
então




vestais


o coro de virgens
em uníssono:
aqueles que alçaram
completa inocência
podem manter o fogo
sagrado de meu sexo
que venham bispos
do rosário
em cardumes





lágrimas oceânicas

Portugal
quanto de tua riqueza é o sumo
de nossas tristezas?

Ano Bom Arzila Ormuz Azamor
Ceuta Flores Agadir Safim
Tanger Acra Angola Mogador

Aguz Cabinda Cabo Verde Arguim
São Jorge da Mina Fernando Pó
Costa do Ouro Portuguesa Zanzibar

Melinde Mombaça Moçambique
Guiné Portuguesa Macassar
Quíloa São Tomé e Príncipe Mascate

Fortaleza de São João Baptista de Ajudá
Socotorá Ziguinchor Bahrain Paliacate
Alcácer-Ceguer Bandar Abbas Cisplatina

Ceilão Laquedivas Maldivas Baçaim
Calecute Cananor Chaul Chittagong
Cochim Cranganor Damão Bombaim

Dadrá e Nagar-Aveli Damão Mangalore
Diu Goa Hughli Nagapattinam
Coulão Thoothukudi Salsette Masulipatão

Surate Nagasaki Timor-Leste
São Tomé de Meliapore Mazagão
Malaca Molucas Guiana Francesa

Nova Colónia do Sacramento Bante
Macau
Brasil

Portugal
Oh sal que corrói a pele de nossas almas.



[poema presente no livro Sortilégio, 2007]





BIO/BIBLIOGRAFIA


Edson Cruz é baiano de Ilhéus e paulista de formação. Estudou música e psicologia até reconciliar-se com a literatura. Foi editor do site Capitu e agora é editor-fundador do site Cronópios (
http://www.cronopios.com.br/). Lançou o livro de poesia, Sortilégio, pelo selo Demônio Negro. Bloga no http://sambaquis.blogspot.com/





POÉTICA


palimpsesto
toda poesia já
escrita

não se equipara
a toda poesia

inscrita
a poesia jaz

Friday, June 20, 2008

RODRIGO MAGALHÃES











Mencionado por:Eli Castro
Marcos Siscar


Menciona:

Cândido Rolim
Ivaldo Ribeiro Filho
Rodrigo Marques
Soares Feitosa



POEMAS

Cadeira de balanço


A casa do meu avô beirava a estação.
De longe, ele parecia aprender com os homens
e com os olhos dos homens seguindo viagem.

O apito de uma locomotiva é
mais agudo quando se aproxima
do observador e mais grave
quando se afasta.

Não descobri isso lá.
Uma enciclopédia me trouxe em cores esquecidas.

O meu avô parecia dizer que, antes,
lhe sobrava uma vida em festa.
Antes da ressaca.

Sem qualquer livro, o velho sabia que o trem se afastava.

(De O legado de Beltrano, 7Letras, 2005)








À beira


Cristina parte enquanto deixa Cristina aqui.

Cristina parte com velas enfunadas,
enquanto Cristina tenta se esvaziar,

fitando o seu homem e Cristina indo, expirando.

(Inédito)



Fátima


E eu chorava muito, sabe,
minha mãe na sala, eu no quarto,
revoltada, sem entender, até que dois
homens, de branco, assim como dois anjos
do Senhor, me disseram, as suas lágrimas não
deixam ela subir, molham o vestido, pesam, e aí
eu fiquei quieta, e aí eles levaram ela, e aí eles se foram.

(Inédito)


BIO/BIBLIO

Rodrigo Magalhães nasceu em Fortaleza em 1980. Tem um livro de poesias publicado pela editora 7Letras, “O legado de Beltrano”.
Poética



POÉTICA


Notícia do poema

O estudante Jacó Lima da Silva, 21, foi morto a tiros, ontem, na favela do Cabeção. O acusado é o seu irmão, o vigilante noturno Esaú Lima da Silva, 25. O homicídio ocorreu durante uma roda de samba organizada pela comunidade da favela. O motivo do assassinato ainda é desconhecido.


Poema da notícia

O pandeiro e a mão caindo e batendo. O ritmo.

À esquerda, os outros, Rosa e a mão de Esaú na mão de Rosa.
À direita, os outros, Jacó e os olhos de Jacó nos olhos de Rosa.

Bumbo.

Pra lá, um terreiro. O homem chega, a galinha corre.
A galinha percebe só de estar no olho do homem.

A alça de Rosa. O ombro deslizando por baixo.
Cavaquinho, reco-reco. Ponta de língua.
Lábio deslizando por cima.

Jacó sorri sem os dentes. A tensão na boca
e o risco na boca. Jacó sorri o elástico.

Esaú cisma. Cavaquinho, reco-reco e atabaque.
Cisma.

O pandeiro e a mão caindo e batendo. O bolso e a mão caindo.

Esaú e os olhos de Esaú nos olhos de Jacó.
A galinha percebe só de estar no olho do homem.

Esaú, Jacó. À esquerda e à direita, os outros.
A mão subindo, a pressão do dedo,
o pandeiro, o gatilho. O ritmo.

Bumbo.

O morto sorri o elástico. Só o chocalho.
Levemente.

(De O legado de Beltrano, 7 Letras, 2005)
Lucas Viriato



POEMAS

quarta-feira
comprava uma bala de tamarindo
depois da aulapara fazer companhia
na volta pra casa.
rabo de cavalo preso
no alto da cabeça, dentes da frente
separados. o caderno de pauta
tem linhas azuis
e a ponta da caneta bic
está em apuros de tanto ser
mastigada (talvez daí
os dentes separados).
não quer adivinhar
o futuro, o cadarço do tênis
desamarrou, talvez ganhe muito dinheiro
com pensamentos em caixinhas
ou receba estudantes estrangeiras
(pode ser que more numa casa
com longos corredores). a única
coisa certa é que quarta-feira
tem carne moída com purê de batatas
e aula de piano às seis


cine palácio

sentada no sofá
do cine palácio
caderno na mão rosto sem
maquiagem espera terminar
a sessão de indiana jones
às oito e vinte
os dias têm sido longos
e não chove há três semanas
a promessa de que algum dia
vai morar
bem longe
o senhor na bilheteria
reclama do preço do ingresso
não tem meia-entrada? a mocinha
é irredutível
luz fraca e quadrados
de mármore nos pés
uma vassoura esfrega o salão
nenhum sinal de besouros
ou fuligem de mariposa






na esquina da rua
um piano que toca
notas esparsas
em lá menor

nunca vi
o rosto de quem
se esconde por trás
de acordes sustenidos

e que desfila dedos no teclado
com a leveza de quem
sustenta passarinhos
no ar



MINIBIOGRAFIA

Alice Sant'Anna tem 20 anos e é carioca. É estudante de jornalismo, tecladista da banda Os subterrâneos e estagiária do selo Alfaguara, da Editora Objetiva. Os poemas acima foram publicados no blog
www.adobradura.blogspot.com. Em agosto, lança o seu primeiro livro, Dobradura, pela 7 Letras.



POÉTICA

Andar de ônibus

Thursday, June 19, 2008

MICHELINY VERUNSCHK

















Mencionada por:
Ademir Assunção
Cláudia Roquette-Pinto
Cadão Volpato



Menciona:

Ana Rüsche
Delmo Montenegro
Edson Cruz
Wilson NaniniDaniel Sampaio
Weydson Barros




POEMAS (do livro inédito A Cartografia da Noite)



Tróia

Toda saudade
repousa nas palavras,
tem cheiro de pinho
e ossos muito brancos.
Toda saudade:
velas arreadas
dos mastros dos batéis,
última visão da chama apagando,
canção de helenas nuas
perdida nos lábios de Ílion.
Em tudo,
o teu nome de pedra,
Saudade,
cadela morta.





A Barata

A barata
tensa
atônita
atenta
frente a folha
pegajosa do poema.
Um calafrio quase
na carapaça dura
e o poema agridoce
acenando
acendendo
dentro da madrugada escura.

O dia nasce
parindo um novo solstício
e ela, impressa,
presa no poema-suícidio.





O Leão

Flor carnívora,
ele aquece a paisagem:
sol sobre cinzas
salsugem.
Apenas uma carícia
cabe no seu nome,
faro aceso
a contrapelo,
e uma mulher de luz
......................................(borboleta tumescente)
chupa-lhe o mastro.
Simétrico
e circular
o seu rugido
fere tulipas,
pequenos coleópteros,
enche copos, cálices, calas.
Ácido e doce
amamenta
todas as suas fêmeas.
Depois dorme,
cidade inexistente.




BIO/BIBLIOGRAFIA
Micheliny Verunschk, nasceu em Recife, Pernambuco. Publicou os livros Geografia Íntima do Deserto, Landy Editora, SãoPaulo, 2003 (poesia) e O Observador e o Nada, Edições Bagaço, Pernambuco, 2003 (poesia). Foi indicada ao Prêmio PortugalTelecom de Literatura-2004. Entre os 10 finalistas foi a única mulher, única estreante e também a mais jovem. Tem trabalhospublicados nas revistas Cult, L’Ordinaire Latino American (França), Poesia Sempre, Cacto, Coyote, Oroboro, Vallum:contemporary poetry (Canadá), Rattapalax (EUA), entre outras.





POÉTICA


"Existir como quem se arrisca"
...........................João Cabral de Melo Neto)

Poesia é a minha percepção e o meu diálogo com o real, o meu risco de cada dia, o meu pão. Marca de nascença que foi construída muito depois do nascimento. Única forma de estar no mundo.

Sunday, January 27, 2008

BONUS TRACK: DEREITO DE RESPOSTA

Os editores da "Modo de Usar & Co." devem ter publicado já, no Caderno Idéias do JB, una versao curta e editada do texto completo da resposta. A íntegra se reproduz no blog da revista (http://revistamododeusar.blogspot.com) e, como complemento à correspondência do domingo passado, também aquí. O meu respeito pela seriedade do texto que segue e pelas opinioes que foram expressadas aqui no "Escolhas..." me impede seguir postando comments anônimos. Um abraço e bom domingo. a.-


Seleção e síntese: resposta a uma resenha


Quem se dispõe a iniciar ou contribuir com um debate em que as opiniões diversas geram entrincheiramentos inevitáveis prepara-se para oposições e discordâncias, e seria pueril surpreender-se com elas. A existência de opiniões contrárias não ofende quem realmente acredita na necessidade deste debate, pois são até mesmo essenciais à sua criação, e se as escolhas de um poeta não tivessem implicações ético-estéticas sérias, estas discussões muitas vezes não passariam de pequenas batalhas entre egos. No entanto, a postura de muitos poetas nestes debates acaba por desnudar o caráter de hegemonia que segue guiando a discussão do que chamamos muito candidamente de cânone e tradição. O texto de Felipe Fortuna, publicado no Jornal do Brasil a 19 de janeiro e apresentado pelo crítico como “resenha” do número de estréia da revista Modo de Usar & Co., infelizmente ultrapassa qualquer limite aceitável de leviandade. Poderíamos assumir a velha estratégia do silêncio e de “guerra nos bastidores”, já enraizada entre os escritores brasileiros, mas decidimos tomar isto como oportunidade para aclarar e avançar no debate que Felipe Fortuna tentou obscurecer.

O que se pede de um crítico é que primeiramente compreenda o projeto e a proposta que se dispõe a analisar, e então possa debatê-los de acordo com os seus próprios parâmetros estéticos. Felipe Fortuna falha claramente nesta tentativa. Sua resenha do número de estréia de uma revista que traz textos de 22 autores brasileiros e 22 estrangeiros, muitos traduzidos pela primeira vez no Brasil, sem mencionarmos os ensaios, concentra-se em sua maior parte na análise do texto de imprensa enviado por correio eletrônico. Após assumir o papel de gramático iracundo e desperdiçar tanto espaço discutindo este “press release” - desonestamente fazendo-o passar por editorial da revista e ignorando o trabalho de mais de 40 poetas incluídos na publicação que, em sua opinião, não merecem figurar em sua resenha, o autor passa a discorrer sobre seu diagnóstico do que vem devastando a poesia e crítica brasileiras: a “endogamia” que, em sua opinião, rege a crítica contemporânea, demonstrando que a resenha sobre a revista nada mais era que um pretexto para seu trabalho de catequese sobre a situação genérica do cenário poético nacional, para a qual ele oferece a bibliografia que remediaria tal quadro clínico. Fortuna aproveita ainda a ocasião para investir contra o blog Escolhas Afectivas, um dos poucos sites de divulgação de poesia brasileira com regras claras e honestas. O resenhista diz ter buscado simplesmente “compreender” os propósitos dos editores, e que suas críticas foram feitas em um contexto bastante específico. Ora, “contexto” foi a última coisa que Felipe Fortuna respeitou em sua resenha. O que Felipe Fortuna procura escamotear, analisando um press release com tanto afinco? E seria esta revista realmente um exemplo de endogamia?

A revista Modo de Usar & Co. não possui um editorial em seu número de estréia por decisão de seus editores, que seguiram sua crença na responsabilidade de evitar o risco da criação de uma narrativa crítico-ideológica com o uso dos poemas de autores convidados, a partir de sua ordenação nas páginas da revista. Assim, optou-se pela estratégia, neste número, da adoção da ordem alfabética de acordo com o título dos poemas, na tentativa de quebrar com uma noção de hierarquia entre poetas, e também para privilegiar os próprios poemas, que deveriam responder, cada um a seu modo, às necessidades críticas do momento atual. Isto é coerente com o debate sobre “sincronia/diacronia” defendido pela revista. Guiados pela mesma responsabilidade, excluímos qualquer nota biográfica, espalhando pelas páginas da revista textos de poetas de diversas idades e línguas, sem compartimentos de caráter nacional ou escola literária. Poetas da primeira vanguarda, ligados a DADA, como Hans Arp e Pierre Albert-Birot (inéditos no Brasil e vertidos diretamente do alemão e francês, respectivamente), são colocados entre poetas brasileiros surgidos nos últimos anos, como Juliana Krapp e Walter Gam, autores contemporâneos como os franceses Jean-François Bory (importante poeta sonoro e visual) e Joseé Lapeyrère, também traduzida pela primeira vez no Brasil, textos dos norte-americanos John Cage e Jack Spicer, austríacos do Grupo de Viena (poetas experimentais da década de 50, pouquíssimo conhecidos no país que o resenhista parece querer salvar de nossa “irresponsabilidade”) como H.C. Artmann e Gerhard Rühm, além de autores de língua hispânica, como os espanhóis Benjamín Prado e Sandra Santana, ou os argentinos Cristian De Nápoli e Martin Gambarotta. Todos traduzidos pelos editores da revista diretamente dos originais (francês, alemão, inglês e espanhol), trabalho que o resenhista tenta fazer parecer apenas outro sintoma de sua teoria da “endogamia”, da qual seríamos exemplo. No entanto, nenhuma destas traduções é mencionada na resenha tendenciosa e leviana de Felipe Fortuna, que provavelmente não saberia como discutir tais poetas. Das traduções da revista, ele limita-se a mencionar uma única, feita por Rodrigo Ponts, de uma letra de John Lennon para uma canção assinada por ele e Paul McCartney, mesmo assim sem explicitar se discorda das escolhas de Ponts ou da decisão de uma revista de poesia ao publicar letras de música, tema polêmico que, obviamente, serve melhor à tentativa do resenhista de anulação completa do trabalho empreendido pelos editores da revista com responsabilidade, em debate constante e colaboração. A recusa de Felipe Fortuna é, no entanto, completa e totalitária. Nada entre as 204 páginas da revista com dezenas de autores de 5 línguas tem qualquer valor para o diplomata-crítico, e resulta em um produto de “qualidade duvidosa” e atos de camaradagem. É a primeira vez que presencio uma revista de poesia ser condenada por possuir uma linha editorial e fazer escolhas, essência do trabalho crítico: assumir uma posição, ser capaz da difícil conjugação de seleção e síntese. Certamente não se espera dos editores da revista que passem a editá-la com aqueles que possuem parâmetros estéticos de que discordam frontalmente, ou com poetas como Felipe Fortuna, que consideramos medíocre.

O resenhista tenta sugerir que a escolha do conteúdo da revista seguiu apenas questões de amizade e politicagem, prática com a qual ele talvez esteja acostumado, já que trabalha para o governo. Além disso, a citação entre poetas é coisa antiga mas, para nos limitarmos ao material em discussão, bastaria que Felipe Fortuna conhecesse melhor os poetas que publicamos para saber que isto foi prática comum entre os dadaístas, sendo uma das características e técnicas de contextualização (especialmente em Pierre Albert-Birot) que mais tarde influenciariam poetas da chamada New York School, como Frank O´Hara e James Schuyler, sendo que outras de suas práticas de intervenção e reação contra noçoes puristas e equivocadas de “universalidade” teriam efeitos sobre o trabalho “grupal” do, ora veja, Grupo de Viena. No entanto, o crítico deveria buscar entender o “uso” (Modo de Usar & Co., lembra-se?) que todos estes poetas fizeram destas estratégias em seus contextos específicos de intervenção poética, seja na Europa de 1916 ou década de 50, nesta mesma década nos Estados Unidos ou no momento atual da poesia brasileira. Mesmo assim, é ridículo criticar um grupo de poetas que se respeitam mutuamente e compartilham parâmetros críticos por decidirem editar uma revista em conjunto. A crítica deveria recair sobre estes parâmetros, já que o convite aos poetas publicados foi feito a partir de nossa fé em seus trabalhos e na necessidade de suas propostas estéticas para o debate poético contemporâneo. É completamente lícito que Felipe Fortuna discorde dos nossos parâmetros e critérios, mas é necessário que ele demonstre poder compreendê-los. Os próprios editores da revista criticam abertamente os parâmetros poéticos de outros poetas e “grupos”, por um questionamento das implicações ético-estéticas destes no contexto atual. Não somos adeptos da “estratégia do silêncio”, agindo como se fôssemos os únicos poetas ativos no Brasil de hoje.

Mas a resenha de Felipe Fortuna é o atestado de que ele não compreendeu as implicações de uma revista sem editorial que o guiasse, ou que ele deliberadamente agiu de má-fé, tentando fazer estes parâmetros passarem por inexistentes. Sua resenha dá sinais de sua incapacidade para o trabalho crítico, tanto por não estar aparelhado para discutir uma possível poética contemporânea, como por agir de forma leviana e tendenciosa ao discutir o trabalho de poetas que claramente seguem parâmetros estéticos diferentes dos seus. Como exemplo, basta que os interessados leiam os poemas “Sobre portas”, “Interior Via Satélite” e “Deustchkurs” de Carlito Azevedo, Marcos Siscar e Aníbal Cristobo publicados na revista, e decidam por si mesmos se estão ali por politicagem ou por serem poemas de uma qualidade que Felipe Fortuna jamais consquistou, segundo nossos critérios, é claro. Também desafiamos o resenhista a discorrer sobre esta suposta “fórmula” que ele acredita flagrar sob o trabalho editorial de uma revista como a Inimigo Rumor, crendo que nós a “repetimos” neste primeiro número da Modo de Usar & Co. Poderíamos ser acusados de endogamia se tivéssemos tentado apresentar nossa seleção de autores como canônica, ou como único grupo no país, da maneira como editores de certas revistas e curadores de festivais organizam seleções dentro de seus grupos e as apresentam como “A Poesia Contemporânea”, no Brasil e América Latina. Não foi o caso desta revista, outro motivo pelo qual evitamos um editorial. No entanto, o sarcasmo arrogante de Felipe Fortuna não pode esconder a pobreza de sua argumentação, que evitou ao máximo a discussão de autores de que ele discorda. Só isto explicaria a decisão deliberada de adulterar o trabalho editorial desta revista, ignorando seu conteúdo, 22 autores brasileiros, 22 autores estrangeiros, ensaios sobre Alexander Calder e Dom Tomás de Noronha; ou o caso específico do ensaio dedicado ao trabalho de Sebastião Uchoa Leite, sobre o qual a tentativa de crítica de Felipe Fortuna merece reflexão, pois parece mostrar que o resenhista não leu muito atentamente o ensaio antes de alinhavar suas afirmações, e que não conhece muito bem a bibliografia sobre Sebastião Uchoa Leite. O ensaio de Alves Dassie é uma contribuição importante para a tentativa de ler a obra de Uchoa Leite fora dos parâmetros usuais de concretude, concisão/minimalismo e objetividade (dita cabralina), que o próprio poeta pernambucano declarou passar a questionar de forma sistemática a partir de seu livro Antilogia. No entanto, a opinião de Felipe Fortuna sobre Uchoa Leite, que ele considera poeta epigonal, impede-o de apreciar ou sequer compreender o que Franklin Alves Dassie aporta ao debate poético contemporâneo e criação de possíveis parâmetros estéticos para o nosso momento histórico, a partir da releitura que empreende em seu ensaio. Esta releitura está intimamente ligada ao questionamento dos parâmetros críticos hegemônicos no país há vários anos, como os já mencionados: objetividade, concretude, concisão, economia de meios, precisão, repetidos à exaustão, e que os editores da revista não crêem poder seguir guiando o trabalho poético contemporâneo em todos os seus meandros. Simplesmente por não “darem conta” de poetas que interessam aos editores, como Jack Spicer e John Ashbery, Emmanuel Hocquard e Josée Lapeyrère, Hans Arp e Tristan Tzara, além de condicionar e limitar a leitura das obras de poetas como Gertrude Stein e August Stramm. Estes são questionamentos e discussões que este primeiro número da Modo de Usar & Co. buscou iniciar, publicando poemas que deliberadamente não se encaixam facilmente em tais parâmetros de qualidade, como os de Franklin Alves Dassie, Walter Gam, Juliana Krapp, além da quebra deliberada de hierarquias culturais em textos como os de Veronica Stigger ou Marcelo Montenegro. Estes são exemplos de poetas reagindo e questionando os parâmetros críticos hegemônicos atuais, e não é à toa que um poeta conservador como Felipe Fortuna os rejeite por completo. Se ele houvesse lido com mais cuidado e respeito, poderia usar a própria inteligência para compreender as implicações éticas e estéticas de nossas escolhas, e teria obtido todas as suas respostas, implícitas ou não, espalhadas pelas páginas da revista, como o nome da publicação, que busca dialogar, entre outros, com o Wittgenstein que escreveu: “O significado de uma palavra é seu uso na língua”, citado em meu ensaio, ou o Georges Bataille que escreveu: “Um dicionário começaria a partir do momento em que já não fornecesse o sentido senão o uso das palavras.”, citado por Franklin Alves Dassie, além da quebra de dicotomias de pureza/impureza literárias e lingüísticas, já discutidas por ensaístas que tratam o trabalho poético dos editores desta revista com seriedade. Será preciso explicar a Fortuna de que maneira isto se relaciona ao questionamento dos parâmetros mencionados acima? Não estou tentando criar a ficção de um bloco monolítico de interesses e critérios em comum a todos os poetas publicados neste primeiro número da Modo de Usar & Co. Há na revista poetas que seguem relaçoes distintas com a tradição e que muito provavelmente não concordam com todas as opiniões expressas neste texto. Poetas com pesquisas diferentes dos mencionados acima, ligados a outras revistas e grupos, e com trabalhos e critérios que não se confundem aos que discuti até aqui, como Eduardo Sterzi, Dirceu Villa ou Andréa Catrópa.

Se ele houvesse lido com mais acuidade, teria nos poupado parte de seu sarcasmo, como ao afirmar que o press release sugeria uma “revista espírita”, mudando de forma desonesta o verbo “surgir” por “nascer”, e mais uma vez falhando em compreender o debate sobre “sincronia/diacronia”, já mencionado, num desapego ao idioma e à lógica que o impediu de perceber que nos referíamos a poetas inéditos, espalhados pelo país, com os quais buscamos estabelecer um contacto e oferecer parâmetros alternativos aos vigentes, da mesma forma que a obra de poetas mortos passa por releituras a cada nova geração, unido à nossa recusa em participar da prática contemporânea de deduzir do conceito de sincronia histórica a noção equivocada de trans-historicidade, defendida por certos grupos de poetas nos dias de hoje. Melhor aparelhado, o resenhista teria percebido que nossa preocupação primordial não reside na discussão de “formas poéticas”, mas nas funções que estas exercem no cenário contemporâneo e em suas implicações éticas ou mesmo políticas.

Este primeiro número da revista dá passos e inicia ainda um questionamento que pretende intensificar, sobre o engessamento de uma certa “taxinomia” de gêneros literários que segue controlando o trabalho crítico contemporâneo. Refiro-me aqui à prática de primeiramente buscar “encaixar” um texto em gêneros com características estanques, seja poesia ou prosa, tanto por críticos como por escritores, que desde meados da década de 90 tem levado a poesia e prosa brasileiras a retornar a parâmetros de gênero do fim do século XIX e início do XX, antes que as vanguardas borrassem tais fronteiras, sugerindo a crença de saberem exatamente o que é um “poema” e o que é um “conto”, por exemplo, numa década em que prosadores e poetas deram-se as costas, e que hoje gera uma postura que se recusa a compreender muitos textos por não se filiarem de forma óbvia ao conceito tedioso de “poesia-poesia”. Penso em certos livros de Roland Barthes como Fragmentos de um Discurso Amoroso ou Barthes por Barthes, nas lectures de John Cage e Gertrude Stein, em “peças” de Heiner Müller e Bernard-Marie Koltès, nos questionamentos de Susan Howe quanto às intervenções editoriais na obra de Emily Dickinson e outros autores norte-americanos, em roteiros de Isidore Isou ou Guy Debord, em certos textos dos poetas da Escola de Nova Iorque, como Three Poems de John Ashbery ou Meditations in an Emergency de Frank O´Hara, nos textos coletivos do Grupo de Viena, especialmente com Konrad Bayer e Gerhard Rühm, em trabalhos como o Livre des Questions de Edmond Jabès ou I, etc de Susan Sontag, ou mesmo em propostas como a de Michael Davidson de ler os manuscritos de George Oppen, com fragmentos, lembretes, citações e mesmo listas de compras, como textos em si.

Isto se reflete, nós cremos, em certa atitude comum na resenharia do país, de autores que acreditam que a mera avaliação “Isto não é poesia” constitua crítica e encerre o debate sobre determinado texto. Unido à obsessão por Guttemberg, tanto por parte de poetas como críticos, vemos como o trabalho crítico no Brasil em grande parte exila áreas gigantescas do trabalho poético e recusa-se a discutir ou interessar-se por poetas como Henri Chopin, Bernard Heidsieck, Brion Gysin, François Dufrêne, Bob Cobbing, para quem a noção de poesia concreta não implicou obsessão pela semântica (penso no manifesto de Henri Chopin em que ele declara: “Não podemos seguir com a palavra todo-poderosa”); e assim segue-se ignorando outras vanguardas do pós-guerra, como os trabalhos dos letristas, já mencionados, (surgidos no fim da década de 40 em Paris) como Isidore Isou, Maurice Lemaître, Guy Debord ou Gil J. Wolman (estes dois últimos mais tarde ligados à dissidência da Internacional Letrista e Internacional Situacionista), as performances e intervençoes públicas do Grupo de Viena, o círculo de poetas ligado a Jack Spicer, ou todo o trabalho em vídeo, som e performance sendo empreendido por jovens como Maja Ratkje, Amanda Stewart, Jörg Piringer, Eduard Escoffet, Michael Lentz e tantos outros. É devido a isso que decidimos, como editores da Modo de Usar & Co., dividir os esforços da revista em duas frentes: como revista impressa, anual, divulgando os trabalhos de poetas que seguem contribuindo para a manifestação da poesia como escrita; e como revista virtual, usando o blog para passar a divulgar, em breve, o trabalho de poetas que se concentram em outras mídias como vídeo, ou seguem a pesquisa no campo da poesia sonora.

Que isto não seja confundido com a tentativa de anulação do trabalho das vanguardas brasileiras do pós-guerra, por quem mantemos o respeito que não só permite como incentiva o questionamento. Não defendemos a prática do que Marjorie Perloff chama de therapy of replacement, substituindo uma vanguarda por outra ou certos poetas por outros poetas no cânone. Os editores da Modo de Usar & Co. rejeitam o trabalho de estabelecimento deste cânone que segue praticando a crítica como instituição de hegemonias, e pretendemos radicalizar ainda mais estas escolhas e questionamentos. De qualquer forma, não há motivos para que o resenhista Felipe Fortuna, que colaborou inconscientemente com nosso desejo de “acionar um clima de intervenção”, perca o sono e reste “acordado como um cão”, pois jamais correu o risco de ser convidado a publicar poemas na revista Modo de Usar & Co. A isto ele chamará de endogamia. Nós chamamos de crítica.

Ricardo Domeneck