Tuesday, September 12, 2006

MARIANA IANELLI



mencionada por:Renato Rezende

menciona a:Fabrício Carpinejar
Contador Borges
Rodrigo Garcia Lopes
Renato Rezende
Ricardo Pires de Souza




poemas
VIDA

Vida, pátria dos resistentes,
Quiséramos perder-te às vezes.

Partir e voltar por infinitos meses
Até que partíssemos somente.

Mas parecíamos fortes
E olhávamos para o chão cá de cima.

Empreendíamos novos encontros,
Multiplicávamos vínculos.

Uma carícia qualquer sempre havia
Por sobre a espessa nuvem do silêncio.

Pelo código do tempo, íamos adiante
Tramando futuros arrependimentos.

De dezembro a dezembro
Desabrochava a nossa rosa invisível, sedenta.

Sonhávamos que te perdíamos,
Mas éramos fortes ainda.

E por ti combatíamos,
À testa dos exércitos, dia a dia.


PROCURA DO VENTO

Nesta manhã de antigas repetições,
Finalmente o gesto:
Atravessa-se o limiar e está acabado.

Alguém se põe a caminho,
De roupa estrangeira e mãos lavadas.
Assim envelhecem todos os aniversários,
O anoitecer já não compete com a aurora
E nem as pernas frágeis que despertam
Se lembram de antes nunca ter escoiceado.

Eis quando a luz se cobre de pó.

Um tempo
Para que se desfaçam as palavras,
O estilo comum dos amores
E a certidão de um palácio arcaico;
Décadas de vaidade
Para que desapareçam os sinais da duração
E exista um homem.

O corpo fala consigo próprio, sem dar-se um nome.
O corpo reza por seus mistérios, ele fala:
- Não te voltes para trás por coisa alguma,
Nem por teu pai, nem por tuas próprias armas.
Fecunda-te do nada, ou tão-só de uma lágrima.
Ainda que sob o mesmo sol de ontem,
Viverás.

Eis quando não mais a luz, não mais o pó.
No vento de horas mortas,
Desliza o homem-pássaro.


TEMPO DE PERDER

Algo nos falta
E já não sabemos o quê.

Vestimo-nos
Com a nossa melhor camisa,
Calçamos sapatos novos,
Ainda podemos correr
Como se houvéssemos
Vinte anos a menos.

Mas estamos doentes.

Pensamos sem amor,
Sentimos sem amor,
E toda a intrepidez do mar
É apenas o nosso rugir de dentes.

As pernas estão nuas,
Os braços estão nus,
Acabou-se o mistério.

À mesa do jantar,
Não há mais comunhão.
Vamos juntos ao teatro
E talvez não retornemos.

Na penumbra do acaso,
Os massacres acontecem.
O tempo arde, o tempo urge:
Somos os sobreviventes.


bio/biblio

Formada em Jornalismo, mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, Mariana Ianelli é autora dos livros Trajetória de antes (1999), Duas Chagas (2001), Passagens (2003) e Fazer Silêncio (2005) – Finalista do Prêmio Jabuti 2006, todos pela editora Iluminuras. Atualmente, desenvolve o projeto de palestras com o tema “A poesia na construção do pensamento e da memória”. Já apresentou seu trabalho em leituras no Centro Universitário São Camilo (2006) e no Instituto Presbiteriano Mackenzie (2004). Nos anos de 2005 e 2004, participou do Projeto Escritor nas Bibliotecas, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. No livro IANELLI (Via Impressa, 2004), Mariana assina o texto “Trajetória de um artista”. Possui textos publicados nos livros Cartas (Iluminuras, 2004) e Mutações (CMS, 2003). Em 2000, esteve na França integrando o evento Le Printemps des poètes, em um ciclo de leituras junto aos escritores Emmanuel Tugny e François Rannou, ocasião em que também se apresentou às detentas da Prisão de Rennes, na Bretanha. Em 1999, participou do ciclo “A Poética - Anos 70, 80 e o Final do século”, no Centro Cultural FIESP. Já colaborou para as revistas Caros Amigos, Bravo! e Aplauso (RS).


poética:

Penso que o poema seja um ato de fé do homem em vista do próprio homem. Por que escrever senão para falar a alguém? A experiência com a linguagem comunica o nosso espanto diante da realidade, e também o nosso deslumbramento. Todo processo de criação passa por esse desconforto de consciência que leva o poeta a pensar sobre a absurda situação do homem no mundo. E a palavra, em especial, tem esse poder extraordinário de dividir em dois o pão que não basta para um, ou seja, ela nos convida a sermos irmãos de um só pensamento, de um mesmo sentimento do mundo. Mais do que isso, a poesia é um completo modo de ser, um exercício amoroso de resistência contra a bestialidade e de luta pela vida. Nesse sentido, a dedicação do poeta à palavra é ainda um empenho de corpo todo, um obstinado voto de confiança do homem no próprio homem, diante do qual desaparecem os limites.


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