Wednesday, September 13, 2006

JOCA REINERS TERRON



mencionado por:
Bianca Lafroy
Leandro Sarmatz

menciona a:
Paulo Scott
Douglas Diegues
Ronaldo Bressane
Marcos Losnak
Marcelo Montenegro
Wir Caetano





poemas
Algum ritmo na noite quente

Estou na janela do escritório fumando depois de escrever.
A noite ferve lá embaixo.
Dou o último trago e um peteleco na bituca.
Um carro dobra a esquina.
O cigarro aceso cai no colo do motorista.
Ele perde a direção.
O carro bate no muro de uma casa.
A casa onde o carro bate está sendo assaltada.
Com o estrondo os ladrões se precipitam e saem atirando.
O piloto desmaia e tem um pesadelo com a ex-mulher.
O primeiro tiro acerta um morcego.
O segundo tiro acerta o balão da Goodyear que sobrevoava o quarteirão.
O terceiro tiro falha.
Mas o morcego não é um morcego e sim um vampiro que descansava de suas bandalheiras na copa da sibipiruna aqui em frente.
E o balão da Goodyear havia sido tomado por terroristas árabes de Foz do Iguaçu que com ele pretendiam rumar até Washington e explodir a Casa Branca na noite do revéillon.
O vampiro cai e atinge a arma do segundo bandido a disparar.
O balão da Goodyear despenca e incendeia o corpo de bombeiros da avenida Roma.
Ninguém cai com o terceiro tiro, a não ser o assaltante, que é desarmado por uma menina de cinco anos chamada Zilda.
O primeiro assaltante é gago e no depoimento acham que ele disparou três tiros, em vez de um.
O segundo assaltante fugiu no carro batido no muro.
O muro ficou no mesmo lugar, apenas um pouco caído.
Eu também.
Acendo outro cigarro.
Volto a escrever.




Perdido nas cidades

Em meio às pessoas atravessando a rua na manhã de tráfego,
E nos carros ao lado procuro meu amigo esquimó.
Encontro-o somente na penumbra do quarto, ali no canto
Onde ficam brinquedos quebrados, os gibis de páginas rasgadas.
Vejo-o dentro deste navio pirata e sacudimos a bandeira Jolly Roger
Na janela para todos verem. Meu amigo esquimó nunca me deixa só.
E quando estou prestes a congelar, ele mija em cima de mim, salvando-me
Da morte no gelo. O líquido quente derrete a neve e a fumaça sobe ao céu do iglu.
Depois meu amigo esquimó entra pela porta com a foca morta nos braços.
Com a faca corta o couro do bicho e então ele enfia minhas mãos enregeladas
Dentro daquele coração quente. Meus dedos revivem enquanto aperto
O coração da foca, pulsante feito o início de um sonho. Ele nunca me deixa só.
Depois sujo de sangue as luvas brancas de meu amigo esquimó
E olho agradecido para seus olhos rasgados e sinto-lhe o hálito de sardinha.
Assim como a foca, meu amigo esquimó tem o coração quente,
Apesar da aparência inerte e congelada, semelhante à da maioria das pessoas.
E como boas vindas ao mundo ele me oferece por uma noite sua mulher
Para que ela reaqueça meu coração frio, meu coração parecido com um boneco de neve
A quem roubaram cartola e carteira, um boneco de neve mau humorado em noite
De temporal branco e de selvagens canções inuítes sopradas pelo vento lá fora
Em meio às pessoas atravessando a rua na manhã de tráfego.




Coisas também amam
No íntimo do seu coração de pedra, o Coisa alimenta um amor não
correspondido pela Mulher Invisível.
Cada vez que ele tenta se declarar, entre murmúrios, ela desaparece:
"Não, Ben, você sabe, eu amo o Reed..."
Com sua inteligência e amizade, Reed Richards lamenta a sorte do
amigo, autoencarcerado num corpo de pedra -- seu pau gigante é uma
enorme rocha observando o próprio dono feito uma esfinge. O que fazer
por ele, Sr. Fantástico?
O Coisa sabe que aquele amor é impossível e que a única saída para se
saciar depende do sacrifício e da elasticidade de alto impacto de
todos os meandros do corpo de seu bom amigo Reed.
Mas seria tão grande assim a amizade do Sr. Fantástico pelo Coisa? Ele
cederia às suas vontades, lhe servindo de consolo romântico?
[ Continua no próximo capítulo. ]


poemas do livro inédito "Licença poética para matar"
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bio/biblio

Joca Reiners Terron (1968) é escritor. Publicou "Eletroencefalodrama" (poemas, 1998), "Não há nada lá" (romance, 2001), "Animal anônimo" (poemas, 2002), "Hotel Hell" (novela, 2003), "Curva de rio sujo" (narrativa, 2003) e "Sonho interrompido por guilhotina" (narrativa, 2006). Além de ter participado de diversas antologias, criou a editora Ciência do Acidente.
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poética

Poesia são as palavras ditas pela Mulher Invisível quando desapareceu pela primeira vez. O seu corpo se desintegrou, mas as palavras ficaram lá, levitando, até serem comidas por alguém.

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7 comments:

Maira Parula said...

muito boa, Joca, essa tua forma de escrever sempre "no ritmo da noite quente". não conhecia tua poesia, mero alheamento meu. boa surpresa. aguardo curiosa o "Licença poética para matar". abração

maira parula

Anonymous said...

embora señor reiners diga que foi promovido a escritor de prosa, ele é um cara legal & brings us much enjoyment. gosto muito de um poema chamado "praga". what the hell, gosto de vários.

taí a dica, dona parula.

beijos, seu joca! a coca pra você sempre será com gás.

Anonymous said...

Oi, Maira,

Que bom que cê gostou. A minha poesia, ah, a minha poesia. Às vezes ela sai para comprar cigarros e me deixa, fumacinha saindo no frigir de miolos. Por que as mulheres são assim, me diga, Maira?

Ah, Anxélika…

Você renovou minhas esperanças na poesia e, por extensão, na raça humana. Não é pouco. Te amo por isso.

Beijos,
Joca
PS. Esta invenção cristobiana é una cosa, no? Todas as "turmas" da poesia brasileira num único lugar: quem imaginaria que isto seria possível?

Anonymous said...

Há uma primeira fala (...) que é dizer “Gostei” ou “Não me entusiasmou”. Essas frases são indistintas, pois a regra do “agradar” deixa sua norma escondida em pequenos paragrafos e atitudes. evoé a voce, senhor mato-grossense que faz da antropologia urbana um prazer pra qualquer recanto.
o bom poeta é sempre aquele que na extração-captura fluída e aleatoria do sentido gema-caótico das coisas) tornar esteticamente compartilhável toda a terra garimpavel.
até mais grande satiro.

leonardo marona said...

joca, já tinha ficado pasmo com a tua poesia submersa lá no primeio popular. agora realmente vi um vulto de dylan thomas no seu decimo quarto pint de cerveja lagger, sorrindo num misto de surpresa e preocupação. eu trabalho lá com a turma de um jornalzinho de cultura de Porto, chamado Jornal Vaia, que agora mês que vem sai com uma edição comemorativa de 5 anos, só com contos, e queria saber se tu não topa participar?

gostei muito dos poemas, que, em vc topando, fica pra edição só com poemas, que tb vai sair.

meu e-mail é leomarona@gmail.com

diz se tu gosta da idéia.

teu novo leitor e muito atento,

leonardo marona

Edgar Pou, ratá pypore said...

hey amigo Joca saludos desde paraguay te lembras de Edgar
la no jardim de carla a beira da piscina?

Mui mui muito bon che gustá
el primer poema
um abrazo.

JESSÉ BARBOSA said...

o primeiro poema deixou-me completamente sem fôlego. incrível
como vc fez de um fato banal um combustível para refletir sobre
o mundo contemporâneo, tendo como
paisagem a selva de pedra.
olha, joca, esta viagem meio psicodélica foi do caralho. de fato, um cigarro não é tão-somente um cigarro.

JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA